De acordo com o dicionário, o adjetivo intrometido tem o significado literal de "posicionado no meio de" ou "em meio a algo".
Comumente, temos tendência natural a usar o termo de forma negativa, pejorativa, combatendo tal comportamento. Automaticamente, surge, no inconsciente, o ditado: "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher".
Ruim, não é se intrometer em briga de casal, ruim mesmo é mulher morrer por ninguém fazer nada.
Precisamos revisar conceitos. Sair das nossas bolhas e da naturalização de que é melhor eu cuidar da minha vida e os outros das suas. Nem sempre essa é a melhor escolha moral.
A realidade atual urge que enterremos a máxima de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Se mete sim, a colher, o garfo, e o faqueiro todo. Nossa omissão custa vidas todo santo dia. Doze delas, para ser mais exata.
Não se engane com a falsa desculpa de respeitar a privacidade alheia e de que ninguém sabe o que realmente acontece dentro de uma relação. Assim, tapamos os olhos para tragédias anunciadas e evitáveis.
Não ligamos para sinais de relacionamentos abusivos que identificamos todos os dias. Agimos muito pouco quando vemos uma violência explícita no meio da rua. Fato é que as mulheres continuam sendo mortas por seus parceiros, muitas vezes com plateia.
Não se trata única e exclusivamente de mulheres, mas de todos os vulneráveis que precisam que alguém olhe por eles e salvem as suas vidas.
Nessa semana, o pequeno Miguel foi cruelmente assassinado por aquela que o pariu, me nego a mencionar tal criatura como mãe, e para ele, faltou primeiramente um pai, depois um olhar, uma colher metida, uma chance. Depois do crime cometido, sempre fica a sensação que algo poderia ter sido feito. De fato, sempre poderia.
É nosso dever interferir ao identificarmos violência, abuso, opressão, ou descaso na casa ao lado, seja ela contra crianças, idosos, mulheres ou qualquer outra pessoa. O único jeito de avançarmos enquanto sociedade é cuidando uns dos outros.
Meter a colher é um exercício de empatia, não de intromissão pura e descabida. É fazer o que você gostaria que fosse feito por você, é garantir que, caso aconteça com você, exista a possibilidade de alguém intervir ao seu favor. É comunicar que a vida de outra pessoa importa.
Para meter a colher não é preciso enfrentar um agressor fisicamente ou de forma direta. Denuncie para a polícia ou outra autoridade, testemunhe a favor dos vulneráveis. Corroborar suas histórias é fundamental, pois, na maioria das vezes, não se tem testemunhas e a prova fica tão difícil.
Fazer um escândalo para constranger o agressor também é meter a colher, é repreender seus amigos ou parentes que demonstram ter atitude violenta ou controladora. É dizer que não está tudo bem fazer o que faz. É dizer que tem gente olhando.
Meter a colher pode encerrar um ciclo de violência. Pode causar a punição do agressor, pode fazê-lo repensar as atitudes. Também pode não surtir efeito direto, mas pelo menos mostra que há pessoas preocupadas
Quando escolhemos nos omitir, somos cúmplices da violência cometida por pessoas que têm muito pouco de monstros e mais de aceitação e conivência de uma sociedade inteira. Sociedade essa que, a cada omissão egoísta, enche as mãos de sangue. Meter a colher não é intromissão, é necessidade.
Texto: Juliane Müller Korb
Advogada